Projeto:

Sadopopulismo e política brasileira contemporânea

‘Sadopulism’, conferência proferida Timothy Snyder (Yale). Tradução de Fábio Lopes da Silva

O texto a seguir é a versão para o português da breve conferência ‘Sadopopulism’ [Sadopopulismo], proferida por Timothy Snyder, professor do Departamento de História da Yale University, e por ele disponibilizada em seu canal pessoal no Youtube. A tradução foi realizada por Fábio Lopes da Silva, professor da UFSC, especialmente para este Portal.

Sadopopulismo

 

Por que precisamos de novas palavras? Ora, precisamos delas porque precisamos de conceitos capazes de nos ajudar a compreender a especificidade do que está acontecendo em 2017. É muito fácil lançar um olhar retrospectivo sobre 2017 e dizer: ‘Estou perplexo, isso que estamos presenciando é confuso, diferente de tudo o que houve antes, e simplesmente não faz sentido. O presidente Trump parece não governar nem mesmo no interesse de seus próprios eleitores’. Tudo bem. Mas se ficarmos apenas confusos, nada poderemos fazer a respeito. O primeiro passo para que se possa fazer algo é entender o que está acontecendo, e o primeiro passo para o entendimento das coisas é dispor de conceitos. O conceito que proponho aqui é o de sadopopulismo.

O que é sadopopulismo? É uma resposta para o problema colocado pelo que eu chamo de impotência oligárquica. Quando se é um oligarca, é muito difícil conseguir governar no sentido tradicional dessa palavra. Quando se é um oligarca – isto é, um sujeito rico que pretende acumular ainda mais riqueza e poder –, é muito difícil assumir tanto as políticas de esquerda quanto as de direita. Não se deseja a maneira de fazer política da direita, quer dizer, não se deseja mercados livres, porque, se os mercados forem livres, outras pessoas poderiam chegar ao topo; tampouco se deseja a maneira de fazer política da esquerda, porque promover a distribuição de renda também permitiria que outras pessoas abrissem caminho para chegar ao topo. Assim é que, se você, como governante, se vê diante da impotência oligárquica, seu problema é: como permanecer no poder? como fazer política? como parecer um democrata, ainda que de fato não o seja? E a resposta, como já adiantei, é o sadopopulismo. Ora, o que quero dizer com essa palavra? Quando as pessoas falam de Trump ou de outros líderes autoritários espalhados pelo mundo – Pútin, por exemplo –, normalmente se referem a eles como populistas. Não acho que o termo seja adequado, uma vez que o populista é alguém que pratica políticas de fato capazes de acenar com algum tipo de promessa para o povo. Eu não vejo essas coisas acontecendo atualmente nos Estados Unidos ou na Rússia. Em vez disso, o que vejo são políticas que, se implementadas, vão causar danos precisamente àquela parte da população que colocou o governante no poder. Daí a expressão sadopopulismo. O radical sado- remete a sadismo, isto é, à administração da dor, à administração deliberada da dor. O que acabo de dizer provavelmente soa estranho. Como é possível governar causando danos voluntários às pessoas que votaram em você? Eis como. Comparemos o que estamos vivendo com o modo como a democracia habitualmente funciona nos Estados Unidos. O modo como a democracia habitualmente funciona neste país é tal que temos dois partidos, cada qual com uma visão do futuro. Política, nesse caso, é algo que diz respeito ao futuro, ao futuro próximo. Um dos partidos tem um programa que diz: ‘Vamos tornar o futuro melhor indo nessa direção’; o outro partido tem um programa que diz: ‘Vamos tornar o futuro melhor indo nessa outra direção.’ O fato é que ambos os partidos estão falando sobre como o presente vai se transformar em um futuro melhor. Isso é normal em democracias, porque o que as democracias fazem é produzir o futuro. Você e eu vamos até a cabine de votação a fim de escolher os nossos candidatos, e a razão por que isso importa está em que estamos pensando na próxima eleição, em como podemos fazer isso indefinidamente. A democracia, nesse sentido, produz o tempo. O sadopopulismo, por sua vez, quebra essa corrente dizendo: ‘Parem de falar no futuro’. Na verdade, o sadopopulismo destrói o futuro. O que ele faz é remover o futuro como assunto natural das conversas, por meio de um retorno incessante ao passado, em um ciclo interminável, um movimento em looping. Não vamos fazer a América grande, vamos fazê-la grande outra vez, vamos voltar ao passado. Ora, o que há de errado nisso? Bem, deixem-me tentar abordar essa questão em termos práticos. Quem pensa em tornar América grande outra vez está provavelmente pensando nos anos 1940, 1950, 1960 e 1970. Muito bem. Consideremos agora o que houve nesse período. O que era diferente naquela época? Para começar, o hiato entre a renda do 1% mais rico e a dos 90% mais pobres estava diminuindo, um fato que começou a se reverter a partir dos anos 1980. Outro aspecto que distingue o período que estamos analisando é a presença de sindicatos muito mais fortes do que os que existem hoje. Sindicatos estão sendo desmontados neste país desde os anos 1980. Uma terceira coisa que era diferente entre os anos 1940 e 1970 era o fato de que a nossa educação pública era claramente a melhor – ou ao menos uma das melhores – do mundo. Isso não é mais verdade.

Se o governante está seriamente pensando em tornar a América grande outra vez por meio de políticas públicas, deveria estar tentando redistribuir renda, o que ninguém está fazendo; deveria estar tentando melhorar a educação pública, o que, de novo, ninguém está fazendo; deveria estar fortalecendo os sindicatos, o que, até onde consigo perceber, ninguém no governo federal está fazendo. Se se olha de fato para o período entre 1940 e 1970 em termos de oportunidades para as pessoas que colocaram o Sr. Trump no poder, constata-se que há instrumentos políticos disponíveis, só que eles não estão sendo utilizados.

Caso você seja um sadopopulista, o modo como observa o passado é tal que você não se pergunta o que pode fazer objetivamente pela ascensão social das pessoas. Em lugar disso, pergunta-se como reativar inimizades que existiam e ainda estão de algum modo presentes. De fato, um outro modo de olhar para o período entre os anos 1940 e 1970 é dizer que a discriminação e o racismo eram problemas maiores naquele tempo do que são agora, e você pode tornar a América grande outra vez (coloco a palavra grande entre aspas) fazendo renascer o racismo, fazendo renascer aquelas antigas inimizades e tentando ensinar aos americanos brancos que eles estão em condições melhores ou pelo menos são melhores do que os negros, os hispânicos, os americanos nativos, os muçulmanos, os imigrantes ou quem quer que seja. Em outras palavras, o modo como você torna “a América grande outra vez” é ensinando as pessoas brancas que não se trata de oferecer a elas e a seus filhos oportunidades. Trata-se, pelo contrário, de uma questão de hierarquia. Não importa o que esteja de fato acontecendo no mundo, ao menos você pode se convencer de que, como eu disse, está em melhores condições do que outras pessoas ou, antes, é melhor do que elas.

E é aqui que o sadismo entra em cena, é aqui que a administração da dor é acionada. O sadopopulista não aciona políticas públicas – ou, se as aciona, elas não são concebidas para tornar a vida das pessoas melhor. Pelo contrário, a questão é piorar as coisas. Considere-se, por exemplo, as políticas que estavam sobre a mesa em 2017. A primeira delas foi a taxação regressiva da riqueza, que concede aos mais ricos isenções fiscais e obriga as pessoas pobres ou de classe média a pagar mais impostos agora ou no futuro. Esse tipo de medida faz com que os eleitores do Sr. Trump vivam em condições piores do que as que estavam postas para eles antes. Já a segunda medida consistiu em tirar das pessoas os serviços públicos de saúde. Ora, muitos dos que votaram no Sr. Trump vivem no Meio Oeste, em condados onde há uma crise de saúde pública. A última coisa de que elas precisavam eram menos cuidados médicos.

Assim é que essas são medidas deliberadamente concebidas para causar dor, para fazer crescer a quantidade de dor na sociedade americana. Bem, como isso pode fazer sentido? Se você machuca pessoas, cria recursos de dor, ansiedade e medo que, em seguida, podem ser direcionados contra outras pessoas – contra os hispânicos, contra os imigrantes, contra os muçulmanos, contra os americanos nativos, contra os negros. Você ensina as pessoas que esse é o estado de coisas normal: o governo não pode ajudá-las, a vida é repleta de dor, mas ao menos elas têm o consolo de ver que outras pessoas estão sofrendo mais. O modo como isso se apresenta é tal que o Chefe de Estado, o presidente dos EUA, em vez de oferecer políticas, oferece diariamente insultos e queixas, oferece reforço para os que se julgam melhores do que outros americanos. E isso se impõe sobre a vida das pessoas. O passado se impõe sobre a vida delas, na forma de uma visão nostálgica sobre como as coisas eram melhores antes. E o presente também se impõe, na forma de um infindável bater do tambor que coloca certos americanos contra outros americanos. O mais triste nisso tudo é que o que se perde nesse processo é o futuro. É muito fácil se sentir motivado pela ideia de que alguém está à minha frente na fila, que está sendo privilegiado, enquanto eu padeço. É muito fácil querer que essa pessoa sofra mais do que eu. Ora, é assim que o sadopopulismo opera: o governo causa danos em sua vida, e você passa a desejar que outras pessoas sofram ainda mais danos. Essa é uma dinâmica completamente nova em política. Ela faz desaparecer o futuro e faz desaparecer também a sociedade. Em vez de pensarmos em como podemos nos juntar para melhorar um pouco a vida de todos no futuro próximo, pensamos em como formamos grupos diferentes, e alguns de nós passam a agredir outros. Essa é uma mudança profunda, mas eu assumo aqui que já avançamos bastante nessa direção apenas no curso do ano passado. Cabe perguntar: é isso o que está mesmo acontecendo? Cabe perguntar ainda: podemos deter esse processo? Porque o que nos está sendo oferecido neste momento é sadopopulismo. Pessoas estão sendo ultrajadas. É esse o ponto em que estamos, e a questão é: pedirão a elas que sejam ultrajadas novamente? Eis o que descobriremos em breve. Tudo o que está se dando nos Estados Unidos é perfeitamente plausível. É dessa maneira que outros países funcionam. Sabemos que esse tipo de coisa pode funcionar, porque vemos isso em outros lugares – por exemplo, na Federação Russa. E sabemos também que esse tipo de coisa nos afasta da democracia, porque, se no longo prazo o governo causa danos a pessoas que não ligam para o próprio sofrimento (desde que outras pessoas estejam sofrendo mais do que elas), o que esse governo tenderá a fazer é cassar o voto dos que esperam mais de seus líderes. O que o governo tenderá a fazer é suprimir o direito de certos eleitores, mantendo apenas o voto daqueles que aceitam que os seus líderes nada podem fazer, exceto administrar dor. E assim as pessoas vão lentamente sendo alienadas da democracia. Não por acaso, o Sr. Trump colocou em ação uma comissão federal destinada à supressão de eleitores.

É essa a direção que poderemos estar tomando. O objetivo desta breve fala foi fornecer-lhes um conceito – sadopopulismo –. que não é uma política pública mas dor. Espero que ele ajude alguns dentre vocês a decifrar o que está acontecendo nos Estados Unidos e nos dê uma ideia de como podemos começar a interromper esse processo, o que, creio, não é tão difícil. Temos apenas que reconhecer o sadopopulismo pelo que ele é. Temos que reconhecer que ele pode funcionar e de fato funciona sobre muitos de nós, quando deveria funcionar sobre um número menor de pessoas. Temos que nos dar conta de que a maneira de interromper tudo isso é pensar no futuro, pensar em nossas crianças, pensar nos tipos de políticas que devemos desenvolver em nome delas. É claro que podemos divergir quanto a quais políticas seriam essas. Contudo, se concluirmos que o governo nada pode fazer, tudo o que teremos será mais desigualdade, menos mobilidade social e mais desesperança para todos, coisas que, penso eu, todos concordamos que não queremos. Obrigado.

Idioma: Português
Direitos autorais: Creative Commons

Materiais pedagógico:

Idioma: Português

Resumo:

Neste projeto, recorro sobretudo às ideias de Timothy Snyder, professor da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, com quem tenho tido o prazer de dialogar diretamente nos últimos anos. Pesquisador especializado na história da Europa moderna, ele é hoje um dos mais celebrados intelectuais públicos do planeta. Sua fama fora dos círculos acadêmicos se deve principalmente a Sobre a Tirania, no qual o autor recorre à longa experiência como estudioso de fenômenos autoritários para propor vinte lições do século passado para o presente. Mas não é tanto Sobre a Tirania que vai me interessar na reflexão que me disponho a desenvolver. Meu foco, em vez disso, se concentra no livro seguinte de Snyder, The road to unfreedom, de 2018, que acaba de ser lançado no Brasil com o título de Na contramão da liberdade. O ponto de partida da obra é a tese de que, em larga medida, a vida política depende da maneira como concebemos o tempo. “Para mim”, esclarece Snyder, “ideias de tempo são tão relevantes que açambarcam todas as outras. Vivemos dentro delas, e elas interferem em como vemos o que está à nossa volta. São como uma bolha, ou um filtro. Determinam o que enxergamos e o que não enxergamos, o que pensamos ser possível e o que não nos parece possível.” Isso, a princípio, pode soar estranho e abstrato, mas não é absolutamente esse o caso. Basta considerar que, até recentemente, a maioria de nós acreditou na noção de progresso, isto é, na ideia de que o tempo é uma linha reta que conduz inexoravelmente a um reino de paz e prosperidade. Houve até quem dissesse que o Paraíso era logo ali, e a história havia chegado ao fim. De acordo com essa visão, o único futuro disponível eram as democracias liberais, e quem não se curvasse a essa evidência acabaria em maus lençóis, punido pelos temíveis deuses do destino. Ora, é óbvio que essa maneira de conceber o tempo afeta a conduta de quem se submete a ela. Se creio que o mundo caminha naturalmente na direção de um final feliz, o mais provável é que eu assuma uma postura politicamente conformista, passiva, na certeza de que os ventos da mudança sopram sempre a meu favor. O mais provável, além disso, é que eu desdenhe de modelos políticos e econômicos alternativos e que, ao negligenciá-los, corra o risco de vê-los avançar e eventualmente ameaçar meu modo de vida.

A essa ideia de tempo ancorada na noção de progresso Timothy Snyder dá o nome de política da inevitabilidade. A má notícia é que, neste exato momento, por causa do fracasso reiterado de suas promessas de felicidade, ela está perdendo força e sendo substituída por uma outra concepção geral de tempo, chamada por ele de política da eternidade. Na política da eternidade, a vida se resume à repetição interminável de um único e mesmo ciclo. E o que se repete, a rigor, é um suposto ataque de inimigos externos ou internos – muçulmanos, mexicanos, negros, chineses, comunistas, corruptos etc. – a ‘nós’, a comunidade dos inocentes. Não importa o que façamos, esses adversários estariam sempre em nosso encalço, sempre retornariam, sempre voltariam a rondar nossas portas, cabendo a nós simplesmente nos defender.

Assim como a política da inevitabilidade, a política da eternidade é um convite à passividade e à irresponsabilidade. No primeiro caso, tudo está bem, e não é preciso fazer nada. No segundo, tudo está mal, e não se pode fazer nada. A diferença é que na política da inevitabilidade a liberdade é um ativo que acabamos não usando, ao passo que na política da eternidade a liberdade simplesmente não é mais levada em consideração, desaparecendo completamente da cena. Se a política da inevitabilidade é perigosa para a democracia, a política da eternidade é uma dança à beira do abismo, a aceitação paulatina de um mundo em que a ideia de futuro – e, portanto, a possibilidade de uma circunstância melhor para todos – perde o sentido. Na política da eternidade, não há qualquer esperança: a vida é crise sem fim, ameaça permanente, sofrimento e ansiedade. O niilismo toma a dianteira, destronando o otimismo inconsequente de outrora.

Governantes pelo mundo todo se deram conta do que está acontecendo e passaram a tirar proveito da situação. Em lugar de tentar de algum modo socorrer as pessoas, eles mantêm as coisas como estão ou mesmo tomam medidas que deliberadamente prejudicam a maioria imensa da população, inclusive os seus próprios eleitores. Só que ao mesmo tempo oferecem uma válvula de escape para estes últimos. Sobretudo por meio da internet, martelam à exaustão uma mesma mensagem a seu grupo de apoiadores: ‘Sim, a existência é um vale de lágrimas, e nada posso fazer para mudar isso. Mas resta o consolo de saber que outros sofrem mais do que nós e de que podemos fazê-los sofrer. Eu os autorizo a infligir sofrimento nos inimigos, a agredi-los, a odiá-los, a desprezá-los. E digo mais: quando vocês os maltratarem, não estarão verdadeiramente os atacando, mas se protegendo, porque eles estão sempre prontos a roubar nossas almas, a destruir nossa inocência, nossa pureza e tudo que construímos e em que acreditamos’. Snyder dá a essa nova forma de governo o nome de sadopopulismo, tendo em vista o fato de que, como no sadismo, ela se baseia na administração deliberada da dor (e na gestão dos afetos daí resultantes).

Neste projeto, pretendo apresentar e desenvolver os conceitos de política da inevitabilidade, de política da eternidade e de sadopopulismo. No rastro de Timothy Snyder, é também minha intenção mostrar por que meandros e processos históricos a política da inevitabilidade entrou em colapso, abrindo caminho para a política da eternidade e o sadopopulismo. Procurarei indicar, além disso, que a perspectiva do historiador americano se ajusta bastante bem ao que temos vivido no Brasil. Por décadas, acreditamos no bordão de que éramos o ‘país do futuro’, e o fato de que nossas expectativas acabavam sempre frustradas não nos impedia de continuamente renová-las em outras bases. Creio, entretanto, que já não é mais assim. A pax lulista – o pacto em que alegadamente todos ganhavam o seu quinhão – foi talvez o ápice mas também o último suspiro desse otimismo persistente. Pode ser que o desalento que se seguiu à derrocada do petismo seja um dado passageiro, um breve interlúdio no decorrer do qual terminaremos por encontrar razões para voltarmos a ser o ‘país do futuro’. Mas pode ser também que o niilismo esteja se enraizando em nossas almas, que ele esteja se tornando um modo duradouro de ser. Como ensinam certos tipos de drogadição, é possível viver indefinidamente no sepulcro de vidro de um mundo fechado sobre si próprio, no qual se é devolvido sempre ao mesmo ponto, a um mesmo gozo triste. Argumentarei que é esse o caminho apontado por Jair Bolsonaro e que o Capitão, de resto, é o grande representante do sadopopulismo à brasileira. Mas a isso pretendo acrescentar que, ainda que de maneira atenuada e disfarçada, a política da eternidade – o ambiente no qual o sadopopulismo opera – é também a direção até agora seguida por muitos de seus opositores, nós. Quem disso duvida que se pergunte o que nos leva a nos rendermos aos ritmos avassaladores das redes sociais, não por acaso um terreno onde o atual presidente se move tão bem. Dia após dia, por horas a fio, navegamos no Facebook ou no Twitter para sermos felicitados ou ultrajados por um fluxo interminável de postagens que, ao induzirem sempre a um mesmo tipo de sensação, congelam o tempo, aprisionam-nos em um presente infinito, interditam o futuro. Nas redes sociais, à semelhança do que acontece sob a política da eternidade, tudo se resolve em termos de um ciclo interminável, um ataque permanente a nossos circuitos neuronais, uma excitação constante, uma ansiedade sem fim, à qual estamos passivamente ligados, já que sua origem está fora de nós, para além de nosso controle. Nas redes sociais, à semelhança do que ocorre sob a política da eternidade, a única saída possível é agredir os outros ou entregar-se ao que se tem chamado de ostentação, uma clara tentativa de compensar a miséria da própria existência com a humilhação dos que são expostos às nossas publicações.

 


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